quinta-feira, 5 de abril de 2018

A Doutrina Social da Igreja: introdução


Vamos começar, com esta, uma série de postagens sobre a Doutrina Social da Igreja (DSI). A intenção é oferecer aos leitores, além de uma visão de conjunto, breve e pontual, da DSI, critérios que permitam a um cristão católico, neste ano de eleições, julgar mais adequadamente as propostas dos diversos candidatos para o pleito que, em 2018, escolherá presidente, governadores, senadores, deputados federais, estaduais e distritais, para os próximos 4 anos.
A primeira questão que se impõe quando falamos da DSI é saber como surgiu... e a resposta mais fácil e rápida, e não por isso inadequada, é aquela que aponta para o fato de que, quem lê ou ouve seriamente o Evangelho, não consegue evitar se sentir socialmente interpelado. Com efeito, a Igreja, profundamente marcada pelos valores evangélicos, sob esta expressão - "Doutrina Social" - colocou todas aquelas declarações sobre questões sociais que seu Magistério pronunciou desde a Encíclica Rerum novarum do Papa Leão XIII:
"Com a industrialização, surgiu no século XIX uma 'questão social' totalmente nova. A maior parte dos homens já não estava ocupada na agricultura, mas sim na indústria. Não havia proteção no trabalho, não havia seguros de doença, não havia direito a férias, era frequente o trabalho infantil. Surgiram sindicatos que se empenharam na defesa dos interesses dos operários. Para o Papa Leão XIII, tornou-se claro que ele tinha de reagir com uma medida extraordinária. Na sua Encíclica Rerum novarum elaborou um esboço de uma ordem social justa. Desde então, os Papas têm repetidamente reagido aos 'sinais dos tempos' e, na tradição da Rerum novarum, têm-se pronunciado sobre as questões sociais especialmente urgentes." [1]
E quais são os principais marcos da DSI? Podemos enumerar alguns dos documentos mais significativos:
1) a primeira encíclica social, escrita em 1891, pelo Papa Leão XIII, que tratou sobretudo do direito à propriedade, da rejeição da luta de classes, do direito dos fracos e da dignidade dos pobres;
2) em 1931, o Papa Pio XI, para comemorar os 40 anos da publicação da Rerum novarum, publicou a Encíclica Quadragesimo anno, na qual reivindicou a necessidade de um salário que pudesse alimentar a família e sobretudo propôs o desenvolvimento do princípio de subsidiariedade;
3) em 1961, o Papa João XXIII publicou a Encíclica Mater et magistra, no qual define que o objetivo da DSI é criar uma autêntica comunidade na qual não se trate apenas de satisfazer necessidades, mas em que seja promovida a dignidade de cada indivíduo;
4) dois anos mais tarde, o mesmo João XXIII publicou a Pacem in Terris, promovendo a paz e a propagação dos direitos do homem como preocupação central da Igreja;
5) o Concílio Vaticano II, por sua vez, no ano de 1965, publicou a Constituição Pastoral Gaudium et spes, na qual dialoga com a cultura, a economia e a sociedade modernas, afirmando que o "progresso da pessoa" deve ser o seu foco;
6) o mesmo concílio publicou a Declaração Dignitatis humanae, que reconhece a liberdade religiosa como direito fundado na dignidade da pessoa;
7) em 1967, Papa Paulo VI publica a Populorum progressio, com considerações sobre o esforço mundial comum pelo desenvolvimento de todos os povos e pela paz mundial;
8) em 1971, o mesmo Paulo VI publica a Carta Apostólica Octogesima adveniens, para comemorar os 80 anos da publicação da Rerum novarum;
9) dez anos mais tarde, o Papa João Paulo II traz a público a Encíclica Laborem exercens, na qual aborda o tema do trabalho humano;
10) em 1987, o mesmo papa escreveu a Encíclica Sollicitudo rei socialis, na qual aborda o mesmo tema tratado na Populorum progressio de Paulo VI, insistindo no desenvolvimento do então chamado "terceiro mundo";
11) João Paulo II, em 1991, publicou ainda a Centesimus annus, na qual celebra os 100 anos da Rerum novarum e trata do colapso do comunismo, falando da dignidade da democracia e da economia do mercado livre, insistindo, porém, na necessidade de se permanecer um mercado solidário;
12) Bento XVI, no ano de 2009, com sua Encíclica Caritas in veritate, trouxe a público um confronto com as diversas facetas da globalização;
13) finalmente, podemos apontar a Encíclica Laudato si', do Papa Francisco, onde é discutida a questão da preservação do ambiente e da necessidade de consideração integral da dignidade humana.
Se o que motiva a DSI é o Evangelho, fica já claro que seu fundamento deve ser encontrado também ali: a caridade. Com efeito, corresponde à mais profunda essência do homem ser amado e oferecer o amor:
"Nisso, o próprio Deus nos serve como ideal. De fato, Jesus mostrou que Deus em si mesmo nada mais é do que amor. Entre o Pai, o Filho e o Espírito Santo encontra-se uma troca eterna de amor. O homem que verdadeiramente ama participa também nesta comunidade de amor. Só vale a pena viver se não nos fecharmos a esta corrente do amor divino, mas no abrirmos a ela. O amor faz com que estejamos abertos às necessidades do próximo e torna-nos capazes de nos excedermos a nós mesmos. Jesus Cristo, que na cruz se ofereceu a si mesmo livremente pelos homens, precisamente no excesso da sua vida humana realizou a maior obra do amor" [2]
A DSI se apoia no fato de que a mensagem evangélica, a revelação divina, transforma a pessoa humana em todos os sentidos. Na medida em que recebemos, através dos textos sagrados, uma outra visão do mundo, da história e da sociedade, somos pessoalmente chamados a uma transformação interior que nos leva a pensar e viver segundo o próprio mandamento de Deus e, como consequência, passamos a agir no sentido de melhorar o mundo. E, se olharmos para os objetivos da DSI, esse fundamento fica ainda mais claro: 1) enfatizar as obrigações da ação social e justa, tal como aparecem no Evangelho; 2) protestar em nome da justiça, sempre que estruturas sociais, econômicas ou políticas contradizem a mensagem do Evangelho. E ela cumpre esses objetivos sendo explicitamente favorável a uma ordem livre e democrática, 
"porque esta oferece a melhor garantia para a participação social de todos e para a salvaguarda dos direitos humanos. A este respeito escreve São João Paulo II: 'A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares ou dos objetivos ideológicos. Uma autêntica democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma reta concepção da pessoa humana' (Centesimus annus, 46)" [3]
Nas palavras de São João Paulo II, podemos dizer que o empenho pessoal de cada um no sentido de conhecer não só os valores evangélicos, como também aqueles que a tradição, no seu Magistério, busca preservar e transmitir, que não são uma teoria, pode significar uma motivação para a ação com consequências importantes para a mudança social:
"Impelidos por esta mensagem, alguns dos primeiros cristãos distribuíam os seus bens aos pobres e davam testemunho de que era possível uma convivência pacífica e solidária, apesar das diversas proveniências sociais. Pela força do Evangelho, ao longo dos séculos, os monges cultivaram as terras, os religiosos e as religiosas fundaram hospitais e asilos para os pobres, as confrarias, bem como homens e mulheres de todas as condições empenharam-se a favor dos pobres e dos marginalizados, convencidos de que as palavras de Cristo - 'Cada vez que fizestes estas coisas a um dos meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes' (Mt 25, 40) - não deviam permanecer um piedoso desejo, mas tornar-se um compromisso concreto de vida" [4]
Por Paulo Roberto de Andrada Pacheco

Notas
[1] CONFERÊNCIA EPISCOPAL AUSTRÍACA. DOCAT Brasil: como agir? São Paulo: Paulus, 2017, p. 36.
[2] CONFERÊNCIA EPISCOPAL AUSTRÍACA. DOCAT Brasil: como agir? São Paulo: Paulus, 2017, p. 24.
[3] CONFERÊNCIA EPISCOPAL AUSTRÍACA. DOCAT Brasil: como agir? São Paulo: Paulus, 2017, pp. 43-44.
[4] JOÃO PAULO II. Encíclica Centesimus annus, 57.

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